Nos últimos anos a sociedade portuguesa iniciou a travessia
do deserto. Uma sociedade que produziu no imaginário social, um quotidiano de
falsas ilusões materializadas na ascensão de uma «burguesia» movida pelo
enriquecimento fácil, mas vazia de ideias para efetivar um plano de desenvolvimento
comunitário sustentado. Vivemos um «ciclo de ouro» alimentado pelos parceiros
europeus, agora pagamos a fatura da irresponsabilidade política e da ambição
coletiva em projetarmo-nos socialmente como uma sociedade de elite, e pobres em
matéria de propriedade cultural. Vivemos a ilusão de sermos uma sociedade do
futuro, fruto da indisciplina, uma leviandade transversal a todo o sistema
governativo.
Assistimos ao declínio da cultura. As instituições públicas do
setor cultural e outras com responsabilidades neste setor fomentaram a política
do subsídio, em detrimento de projetos socioculturais capazes de produzir
resultados que sustentassem programas de desenvolvimento cultural no espaço geográfico
dos territórios locais e regionais.
Os processos de democracia e democratização culturais foram
preteridos em função do espetáculo do imediatismo, do show-off, enfim, o erário
público alimentou coletividades estéreis, incapazes de continuarem a atividade
sociocultural sustentada num trabalho valorizador e de salvaguarda das raízes
culturais da comunidade. Felizmente, às exceções, são projetos que devem
continuar a serem apoiados graças ao bom trabalho de ação cultural e de
participação comunitária que foram capazes de empreender na comunidade.
Projetaram-se novos equipamentos culturais, mas os
responsáveis políticos descoraram o essencial, o planeamento e a criação de serviços
educativos desenhado para ser um mecanismo de educação não formal, um
instrumento dinâmico de aprendizagens e de educação para a cultura. Hoje temos
os recursos infraestruturais e humanos, falta-nos a visão política que sustente
o binómio educação e cultura. Talvez pela ausência e insistência absurda dos
decisores em não quererem ouvir os técnicos.
Insisto na ideia da economia social e solidária. Os recursos
comunitários continuam a ser um eixo estratégico para (re)fundar um projeto de
revitalização da economia local, um nicho de crescimento à microescala
importante para a continuidade da vida cultural das nossas comunidades,
geradora de dinâmicas económicas que não salvará as economias regional e
nacional, mas estou convicto de que alavancará a economia local. É urgente
despertar nos cidadãos os valores da solidariedade, da participação
comunitária, da cidadania comprometida com a mudança coletiva e da cultura do verdadeiro
voluntariado para que as comunidades avancem, com firmeza num processo global
de transformação social.
É expectável que os animadores socioculturais não descartem
o papel pró-ativo que devem assumir no desiderato de contribuir para a mudança
efetiva. Esta deverá estar projetada no exercício profissional dos animadores. Arrisco
a afirmar que os agentes socioculturais afrouxaram as leituras críticas sobre a
realidade e respetiva ação coletiva, «demitiram-se» da responsabilidade de
assumir categoricamente uma posição de rutura e de transformação social. Falta
alavancar com firmeza na ação a cultura do bem comum, um desiderato comunitário
e um dos desafios imediatos nos processos de animação sociocultural.
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