Dia 27 de março, Dia Mundial do Teatro
«Será que precisamos de teatro?
Esta é a questão que milhares de profissionais dececionados
com o teatro, e que milhões de outras pessoas que estão cansados dele,
perguntam a si próprios.
Para que é que precisamos dele?
Nos anos em que a cena é tão insignificante quando comparada
com os bairros das cidades e capitais do mundo, onde estão em cena as
autênticas tragédias da vida real.
O que é para nós?
Galerias e balcões dourados em salas de espectáculo, braços
de cadeiras aveludadas, bastidores sujos, vozes de actores bem polidas, ou
vice-versa, algo que pode ser aparentemente diferente: caixas negras, manchadas
com lama e sangue, com um amontoado de corpos nus dentro.
O que é capaz de nos dizer?
Tudo!
O Teatro pode dizer-nos tudo.
Como os deuses habitam nos céus, e como os prisioneiros
definham em caves subterrâneas esquecidas, e como as paixões nos podem elevar,
e como o amor nos pode abater, e como ninguém precisa de uma boa pessoa neste
mundo, e como a mentira reina, e como as pessoas vivem em apartamentos,
enquanto crianças murcham em campos de refugiados, e como todos eles terão que
voltar ao deserto, e como, dia após dia, somos forçados a nos separar dos
nossos entes queridos, - o teatro pode dizer-nos tudo.
O teatro tem sido, e manter-se-á eterno.
E agora, nestes últimos cinquenta ou setenta anos, é
particularmente necessário. Porque se observamos como está a arte popular,
vemos imediatamente aquilo que apenas o teatro nos está a dar - uma palavra de
boca a boca, um olhar de olho a olho, um gesto de mão a mão, e de corpo a
corpo. Não precisa de intermediários para trabalhar junto dos seres humanos,
-constitui a parte mais transparente da luz, não pertence ao sul, ao norte,
este ou oeste, - oh não, é a própria essência da luz, a brilhar nos quatro
cantos do mundo, imediatamente reconhecido por qualquer pessoa, quer seja
hostil ou amigável para com ele.
E nós precisamos de teatro que permanece sempre diferente,
nós precisamos de teatro de diferentes géneros.
Mesmo assim, penso que de todas as possíveis formas e
contornos do teatro, são as suas formas mas arcaicas que terão atualmente uma
maior procura. O teatro de formas rituais não se deve opor artificialmente ao
das nações ditas “civilizadas”. A cultura secular está cada vez mais
emasculada, a chamada “cultura informativa” gradualmente substitui e faz
desaparecer entidades simples, bem como a nossa esperança de as encontrar um
dia.
Mas eu agora vejo-o claramente: o teatro está a escancarar as
suas portas. Admissão livre para todos.
Para o inferno com os aparelhos e computadores – vão
simplesmente ao teatro, ocupem filas inteiras nas plateias e nas galerias,
ouçam o mundo e vejam as imagens vivas! – é o teatro na vossa frente, não o
negligenciem e não percam uma oportunidade de participarem nele – talvez seja a
oportunidade mais preciosa que partilhamos nas nossas vidas apressadas e
egocêntricas.
Precisamos de todos os géneros de teatro.
Existe apenas um teatro que seguramente não é necessário para
ninguém – refiro-me ao teatro do jogo político, o teatro das “armadilhas”
políticas, o teatro dos políticos, o fútil teatro da política. O que nós
seguramente não precisamos é do teatro do terror diário – quer seja individual
ou colectivo, o que nós não precisamos é do teatro dos corpos e do sangue nas
ruas e praças, nas capitais e nas províncias, o teatro falso das batalhas entre
religiões e grupos étnicos…»
Anatoli Vassiliev
Tradução do Russo para Inglês: Natalia Isaeva
Tradução para Português: Bruno Daniel Gomes, com revisão de
Fernando Rodrigues (FPTA - Federação Portuguesa de Teatro)
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